Há um fenômeno que vem tomando conta das administrações municipais nos últimos anos, a substituição da gestão real pela gestão digital. Prefeitos e secretários estão trocando o trabalho de bastidores, silencioso e árduo, pelo espetáculo das redes sociais. São as chamadas gestões instagramáveis, governos mais preocupados em produzir conteúdo para viralizar do que em entregar resultado concreto para a população.
Mas como toda encenação, isso tem prazo de validade. E muitos já cruzaram o ponto sem retorno, o Rubicão.
Na história, atravessar o rio Rubicão foi o ato simbólico que marcou o fim da República Romana. Júlio César desafiou o Senado e deu início a uma guerra civil. Hoje, nas prefeituras brasileiras, atravessar esse “Rubicão midiático” é abandonar o compromisso com a gestão pública de verdade, e assumir que o que importa é a manchete bonita, o vídeo editado, o antes e depois cheio de filtros, mesmo que o “depois” nunca tenha existido fora da lente do celular.
Prefeitos que se vendem como influenciadores, posando com crianças, pegando na enxada, caminhando em obras que não saem do papel, estão confundindo visibilidade com eficácia. Eles terceirizaram a política para o marketing. Mas governar não é só comunicar, é transformar. E transformar dá trabalho, exige escolhas impopulares, exige enfrentar a realidade, não apenas encená-la.
A população já começa a perceber a farsa. Basta olhar os comentários nas próprias postagens dessas figuras públicas, o que antes eram aplausos automáticos virou cobrança, deboche, indignação. Porque uma hora a conta chega. A rua sem asfalto continua sem asfalto. O posto de saúde continua sem médico. A escola continua sem merenda. A internet pode maquiar a realidade por algum tempo, mas não consegue sustentá-la.
E o mais grave, ao atravessar esse Rubicão, esses gestores perdem algo que é praticamente impossível recuperar, a confiança do povo. Mesmo que em algum momento tentem recuar, mudar de estratégia, focar em entregas reais, será tarde demais. Já foram rotulados como artificiais. Já perderam o crédito. E não há edição de vídeo que reconstrua uma reputação arruinada pela incoerência entre o que se posta e o que se vive.
A política exige verdade. E a verdade, diferente do feed, não tem filtro. Quem escolhe governar com base em curtidas, está fadado a terminar com rejeição. O povo brasileiro pode até gostar de uma boa imagem, mas não abre mão da dignidade, do serviço público funcionando, do básico bem feito. A gestão instagramável pode impressionar por um tempo, mas governar é mais do que impressionar, é servir.
E quem cruzou o Rubicão da vaidade digital, dificilmente volta a ser lembrado como alguém sério.